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Música, Cinema, Tv e História
01/01/2018

Entre fantasias: O cinema na Terra Média e Azeroth





“Numa cidadezinha indolente do Condado, um jovem hobbit é encarregado de uma
imensa tarefa. Deve empreender uma perigosa viagem através da Terra-média até as Fendas da Perdição e lá destruir o Anel do Poder – a única coisa que impede o domínio maléfico do Senhor do Escuro.”

“Um dia houve uma guerra tão definitiva que rompeu o mundo, e no girar da Roda do Tempo que ficou na memória dos homens virou esteio das lendas. Como a que diz que quando as forças tenebrosas se reerguerem, o poder de combate-las renascerá em um único homem, o Dragão, que trará de volta a guerra e, de novo, tudo se fragmentará.”

“Quatro anos se passaram desde que as raças mortais se agruparam e enfrentaram unidas o poderio da Legião Ardente. Mesmo que Azeroth tenha sido salva, o pacto tênue entre Horda e Aliança praticamente evaporou. Os tambores da guerra trovejam novamente.”

Estas são algumas sinopses retiradas de conhecidas obras de alta fantasia. A primeira, A Sociedade do Anel de J.R.R. Tolkien, a segunda O Olho do Mundo de Robert Jordan e a última, um trecho da cinemática de World of Warcraft. As semelhanças de suas premissas são notáveis, bem como suas narrativas são expressas, bem como como as ideias que construíram seus respectivos universos.

A saga do anel e do dragão renascido de Tolkien e Jordan centralizam suas narrativas em um eixo de personagens específicos. Da Sociedade do Anel ao Retorno do Rei acompanhamos Frodo Bolseiro, Samwise Gangi, Merry Brandebuque, Pippin Tûk, Aragorn, Legolas, Gmili, Boromir e Gandalf. Em A Roda do Tempo, título da saga de Jordan, seguimos também um grande elenco, formando por Rand Al’Thor, Mat, Perry, Nynaeve, Egwene, Moiraine, Lan e Loial. Nitidamente influenciado por Tolkien, a narrativa de Jordan também separa seus personagens durante o percurso combatendo as forças do antagonista maior (Sauron e o Tenebroso).

Mesmo que ambas mitologias literárias bebam das mesmas fontes, no caso a mitologia nórdica e céltica (cabe ressaltar que a Roda do Mundo traz alguns conceitos orientais), a obra de Tolkien se destaca pele seu pioneirismo que, como já destacado, inspirou as gerações seguintes de autores como o próprio Robert Jordan e o George Martin, autor das Crônicas do Gelo e do Fogo.
Warcraft, como a maioria dos jogos de RPG (tabuleiros ou games digitais) carregam quase que inevitavelmente a carga tolkieniana na construção de suas narrativas. A premissa de Warcraft Orcs vs Humans (1994) é, superficialmente, a mesma de O Senhor dos Anéis. Dois grupos em conflito. O “porém” da narrativa do jogo está na fuga do maniqueísmo que a maiorias da obras fantásticas tendem a seguir.

Se por um lado, homens lutam contra as forças Orquicas dos Uruk-hai de Saruman na batalha no Abismo de Helm narrado no livro As Duas Torres como um antagonismo bem versus mal, a luta dos humanos de Ventobravo contra os Orcs de Draenor representa na verdade um conflito de perspectivas compreensíveis de ambos os lados. Este é um elemento fio-condutor para a grande teia do enredo que se estende de Warcraft à World of Warcraft descrito nas Crônicas. A grande narrativa, Lore, não centra em personagens. Há figuras reconhecidas como importantes para cada evento, porém a mitologia azerothiana, além de fugir do dualismo recorrente é expandida para diversos momentos de sua vasta cronologia.

Se nos atermos as semelhanças, o suposto dualismo tolkieniano ainda fica em evidencia na narrativa de Warcraft. Por exemplo, a geografia dos dois universos. Azeroth e Arda possuem a esquematização segregacionista. Em Tolkien temos a Terra Média no leste e as Terras Imortais no oeste, enquanto Azeroth abarca Kalimdor e os Reinos do Leste:


Em Tolkien os elfos, originários das terras dos oeste e viajaram para o leste. Destino semelhante os Altos Elfos corrompidos após a Guerra dos Anciões.
É evidente que os meios comunicativos das mitologias são em sua origem divergentes, mas agora nem tanto. O Senhor dos Anéis nasceu como livros, enquanto Warcraft como enredo de um game. O ponto de convergência é que ambas agora possuem adaptações cinematográficas, O Senhor dos Anéis dirigido por Peter Jackson entre 2001 e 2003 e Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos, dirigido por Duncan Jones em 2016. Mais ainda, o universo de Azeroth também ganhou as paginas de diversos romances. O complexo do qual estamos diante é o de uma obra origem e uma obra originada que foram transpostas para a linguagem cinematográfica.

Válido destacar que o período atual, que acredito compreender a segunda década do presente século, está sendo constituído por uma forte popularização e investimentos no gênero da Alta Fantasia. Mais profundamente, o gênero Fantástico que aqui entendo, sob a égide de David Allen, como o gênero que engloba tanto a fantasia como a ficção científica estão em evidência não só no cinema mas também nas produções televisivas. Mesmo tendo sido lançado no inicio dos anos 2000, contemporâneo aos lançamentos da também obra de fantasia Harry Potter, O Senhor dos Anéis de Jackson pôs credibilidade ao gênero para além dos livros. É coerente afirmar que sem tal sucesso a adaptação das Crônicas do Gelo e do Fogo na série da HBO Game of Thrones seria impossibilitada.
Game of Thrones (2011) por sua vez é a obra chave do período que acima assinalei. A série fortificou o gênero da fantasia e de caráter medieval. Em seu encalço Vikings, série medieval, também se notabilizou, e em paralelo a tais produções, O Hobbit ganhou sua adaptação cinematografia pelas mesmas mãos de Peter Jackson. No que diz respeito as ficções científicas, o cinema do século XXI ficou lotado de produções do gênero, umas ruins e outras ótimas, de Transformers à Distrito 9. Esse gênero ganhou tanto espaço que nos últimos anos sempre há um representante na corrida para Melhor Filme no Oscar.

Nesse contexto de popularidade do Fantástico, e em especifico da Fantasia, a produção de um filme de Warcraft finalmente se estabeleceu, após anos de boatos e cancelamentos. Desta forma, o filme surge quando há um público com maior contato com universos “estranhos”, com conflitos entre criaturas horrendas. Bem diferente do publico que assistira O Senhor dos Anéis quase 15 anos antes.
Mesmo com a má recepção nas bilheterias, Wacraft: OPEDM recebeu críticas positivas. Mesmo se tratando de um filme com extensa presença de efeitos especiais, esteticamente a obra ainda guarda uma organicidade quem nem o Episódio II de Star Wars ou 300 conseguem arcar.

O problema do filme muito provavelmente foi o mesmo o qual Peter Jackson se deparou ao adaptar O Senhor dos Aneis. Como converter em filme um universo extremamente grande e complexo?
Aí talvez more a falha do filme enquanto obra narrativa de fantasia: a simplificação. O universo de Azeroth é muito mais do que apenas um conflito entre Orcs e Humanos (assim como SDA também não o é). Mesmo apresentando de forma coerente o mundo de Azeroth para “leigos”, o filme traz consigo uma série de elementos mal explicados. A figura de Medivh se converte em um Gandalf sem rumo, Anduin como um Aragon sem carisma. É difícil inclusive ser compassível com a luta de sobrevivência dos Orcs, e Ventobravo é só uma Minas Tirith que também não se sabe nada.

Enquanto a adaptação do roteiro de Senhor dos Anéis se mostra abrangente para capturar o espectador comum, Warcraft confia no espectador jogador e no espectador familiarizado com a fantasia. O universo de Azeroth é tão vasto que apenas uma serialização abarcaria de forma satisfatória algum dos eventos marcantes da lore desse universo.

Cabe agora esperar o futuro da franquia nos cinema (se é que há futuro) ou torcer para uma adaptação em série da narrativa. O universo de Tolkien, como confirmado recentemente, será serializado pela Amazon. Cabe também torcer para que o mesmo que aconteceu a Terra Média, aconteça com Kalimdor e os Reinos do Leste.

1 comentários:

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